A quem interessa a reforma política?

9 de abril de 2011

Abaixo um texto interessante sobre a Reforma Política 2011 Versão Sarney. Conheça também a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político Brasileiro, que reúne 31 entidades da sociedade civil.

Se o sistema eleitoral chamado "Distritão" já valesse em 2010, PT e PMDB seriam ainda maiores. Conheça os interesses em jogo na reforma política

Por Pedro Venceslau

Poucas semanas antes do segundo turno das eleições presidenciais, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu uma pista aos repórteres que o seguiam sobre qual seria sua primeira bandeira a ser desfraldada fora do governo: “Serei um leão da reforma política”. A declaração foi dada na saída de um comício de Dilma Rousseff em Porto Alegre. Ao lado da candidata, que balançava a cabeça positivamente, ele prometeu “liderar” os esforços para que o PT assuma a dianteira da reforma. Questionado sobre qual seria a dimensão das mudanças no sistema político brasileiro, ele preferiu ressaltar apenas o financiamento público de campanha. Deixou os detalhes para depois.

Como em um passe de mágica, o assunto tomou conta da campanha. O oponente José Serra, do PSDB, aproveitou a deixa e escolheu o voto distrital puro como carro-chefe de sua reforma política. “Se uma cidade tem 37 vereadores, você divide em 37 distritos, cada um elegendo o seu vereador. A vantagem disso é que o eleitor vai fiscalizar o vereador em quem ele votou”, explicou, de forma didática, aos jornalistas que tudo anotavam. A mudança sugerida pelo tucano atingiria cidades com mais de 200 mil habitantes, onde há segundo turno. Marina Silva, candidata dos verdes, também surfou na onda e foi além: defendeu a criação de uma Assembleia Constituinte para a realização da reforma política. Mas aí eleição chegou e Dilma venceu, logo abrindo o processo de transição.

Nesse período de negociação pesada por cargos, não se tocou mais no assunto. O ano virou, o novo governo tomou posse e foram eleitos os presidentes da Câmara e Senado. Mais uma vez o tema passou batido. Foi a partir da vaidade de um velho político preocupado com seu lugar na história que a reforma política enfim entrou na pauta. Uma vez reeleito para a presidência do Senado, José Sarney (PMDB-AP) começou a convidar os quadros mais vistosos da Câmara Alta para integrarem uma “comissão de notáveis”, responsável por elaborar um projeto de reforma: Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Aécio Neves, Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos, Francisco Dorneles... Todos aceitaram prontamente o convite, mas nos corredores do Senado a “tropa da reforma” recebeu críticas. Já existem na Casa nada menos que 70 projetos e emendas prontos para serem votados sobre pautas que vão do financiamento público de campanha à fidelidade partidária. E a criação da comissão somente atrasaria o processo.

A Câmara seguiu o exemplo e instalou, no último dia 29, sua própria comissão. As duas comissões estipularam um prazo de 45 dias para apresentarem suas propostas. Embora o script seja o mesmo de anos anteriores, dessa o vez o cenário aponta para a realização de pelo algumas mudanças pontuais, baseadas em um consenso que tem nome e sobrenome: instinto de sobrevivência. “Esse é meu terceiro mandato como deputado. É a primeira vez que sinto firmeza nas intenções. O movimento pela reforma dessa vez é mais intenso entre os partidos”, diz o deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP). “Todo início de legislatura é a mesma coisa. Formam-se comissões de reforma que não dão em nada. Dessa vez, porém, existe uma novidade, que é o `distritão`. Eu defendo o `distritão`, desde que ele seja misto”, opina o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ). “Tenho convicção que a reforma sai dessa vez. Ela já vai valer para eleição do ano que vem”, diz, otimista, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Interesses em jogo
Para se compreender melhor a reforma política é preciso conhecer os interesses que estão em jogo. Há consenso no PMDB em torno da eleição majoritária para cargos legislativos, que foi batizada de “distritão”. O patrono da ideia é o vice-presidente Michel Temer, que já conversa com legendas aliadas a respeito. Em linhas gerais, a proposta é simples: acaba-se com o quociente eleitoral e elegem-se os mais votados. Em São Paulo, por exemplo, os 70 mais votados iriam para a Câmara. E ponto final. “O voto em lista foi tentado várias vezes e não prosperou. Acho que há uma dificuldade extrema em aprová-lo. Minha proposta se harmoniza com o texto constitucional”, afirmou Temer, na saída de um almoço com Paulo Skaf, do PSB, em fins de fevereiro.

Estudo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostra que, se o sistema eleitoral fosse esse na eleição de 2010, os grandes partidos seriam ainda maiores. O PT pularia de 88 para 91 deputados, e o PMDB teria 10 parlamentares a mais. No campo da oposição, o sistema também teria sido positivo para os maiores. O PSDB pularia de 53 para 65 deputados eleitos. E o DEM, que hoje tem 43 deputados, ficaria com 50. “Com esse sistema, os partidos perderiam completamente a importância. A campanha seria personalizada ao extremo e as legendas seriam apenas trampolim. Os puxadores de voto seriam seduzidos por quem oferecesse mais estrutura”, explica Marcos Verlaine, analista do Diap.

Atualmente, o sistema é proporcional. Ou seja: as vagas são distribuídas por um quociente eleitoral, que é a divisão do número de votos do partido ou coligação pelo número de vagas do estado na Câmara. Um político com muitos votos de um partido consegue um mandato aos deputados da coligação ou da legenda sem votos suficientes para se eleger. É o chamado “efeito Tiririca”. O PT resiste a essa ideia e prefere manter o sistema de eleição proporcional. O motivo é simples: ele perderia a vantagem do voto em legenda, que sempre aumenta muito o seu coeficiente. O dilema entre os dois partidos nesse ponto pode levar a reforma novamente para a gaveta. “Com o `distritão`, no máximo cinco partidos seriam representados na Câmara”, diz Verlaine, do Diap.

A ideia enfrenta resistências também no PSDB. “Temo a fragilização dos partidos com esse modelo exclusivo. Proponho o Distritão Misto”, disse o senador Aécio Neves em entrevista coletiva na semana passada. “Esse `distritão` que está sendo patrocinado pelo Temer é um horror”, assegura a deputada Luiza Erundina (PSB-SP). Ela acredita que esse sistema, aliado ao fim das coligações proporcionais, abre caminho para o predomínio do poder econômico nas campanhas. “Perde-se o voto de opinião”, acredita.

Na gaveta

Em 2002, quando Lula despontava para uma vitória consagradora nas urnas, os líderes partidários do Congresso Nacional decidiram abraçar a causa da reforma política. É sempre assim em momentos de crise ou entressafra política. Uma comissão especial foi criada e trabalhou arduamente em buscas de consensos. “A nossa proposta era fazer mudanças que não implicassem em alterações do texto constitucional. A ideia era acabar com as coligações e instituir o financiamento público de campanha”, relembra a deputada Luiza Erundina. Tudo indicava que as mudanças estavam por vir, mas depois da eleição de Lula, o projeto foi parar na gaveta e dormiu lá até 2007, quando acabou derrubado em plenário. “A cada crise a ideia de reforma ressurgia como se fosse a panaceia. Mas na hora de votar não havia consenso e voltava para a gaveta”, conta Erundina, que é uma das criadoras da Frente Parlamentar pela Reforma Política. “Meu receio que a proposta de reforma do Senado seja um monstrengo e se imponha sobre a Câmara”, comenta a deputada, que pretende percorrer o país debatendo o assunto.

Especialistas no assunto também estão céticos. “A reforma vai se resumir a poucos pontos de consenso, entre eles o financiamento público e a janela partidária”, acredita o cientista político Rudá Ricci. Esse último, segundo ele, será uma guerra entre base governista e oposição. “Com a janela partidária, que consiste em permitir mudanças de partido durante os últimos seis meses da legislatura, o DEM seria destruído. Essa proposta interessa ao governo, que vai ampliar sua base”. Outro ponto polêmico da reforma é a retomada da cláusula de barreira, mecanismo que exige dos partidos pelo menos 5% dos votos do eleitorado nacional para poderem estar representados na Câmara. “Isso colocaria parte da base aliada do governo, como o PCdoB, em conflito. Isso só interessa aos grandes partidos sem perfil ideológico, pois forçaria uma migração. Os defensores dessa tese dizem que a cláusula acabaria com as legendas de aluguel e a chantagem eleitoral”, diz o sociólogo.

Entenda as propostas de reforma e os interesses em jogo

Janela da infidelidade
Permite mudança de partido nos últimos seis meses de mandato. Essa proposta interessa ao governo, pois desidrataria a oposição.

Fim de suplente sem voto
A maioria dos membros da comissão de reforma política do Senado apoia a ideia de acabar com os chamados suplentes biônicos dos senadores. Senadores temem ir contra, pois trata-se de uma bandeira que agrada a opinião pública.

Distritão
Proposta apresentada pelo vice-presidente Michel Temer e defendida pelo PMDB. A eleição para deputados estaduais, federais e vereadores seria pelo sistema majoritário. Ou seja: vencem os mais votados. A ideia desagrada ao PT, que costuma se beneficiar no voto em legenda do quociente eleitoral. E aos partidos pequenos, que seriam desidratados.

Distritão Misto
É um modelo híbrido entre o distritão e a lista fechada, no qual o eleitor vota na lista com os nomes dos partidos. O eleitor daria dois votos: um para o legislativo outro para o partido preferido. O voto de legenda passaria a ser obrigatório. Apenas os votos da legenda contariam para efeito de quociente eleitoral. A ideia é defendida pelo PSDB e tem como porta-bandeira o senador Roberto Requião (PMDB-PR), que é membro da comissão de reforma política do Senado.

Voto em lista partidária
O eleitor votaria em uma lista com nomes previamente definidos pelo partido. Os mais bem colocados da lista seriam eleitos. Esse sistema fortalece a vida orgânica partidária. Interessa aos partidos mais bem organizados e com vida interna bem resolvida. Há também um projeto, da deputada Luiza Erundina, que propõe o voto em lista com alternância de gênero, ou seja, a lista teria que ter homens e mulheres em quantidades iguais.

Federações Partidárias
Os partidos seriam obrigados a manter suas alianças eleitorais durante a legislatura. Interessa aos partidos chamados ideológicos e à oposição, mas não ao governo.

Publicado pelo site da Revista Fórum - www.revistaforum.com.br

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